Cultura como forma de ocupação na vida dos jovens negros de quebrada
- Da ponte Para cá
- 27 de nov. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de nov. de 2019
Ainda inserida em um contexto de marginalização, a cultura periférica segue incluindo na juventude informação de expressões artísticas
Manifestações culturais desenvolvidas nas periferias, criam na juventude uma projeção de futuro onde ele não se vê sendo assassinado antes dos 21 anos, como mostra pesquisa do Mapa da Violência 2016. A arte vai muito além do que está nas revistas e nos canais de TV. Arte é vida, e apesar da realidade de violência e falta de perspectiva, vida é o que não falta nas favelas de São Paulo.
De acordo com o Atlas da Violência 2019, 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil em 2017, eram pessoas negras com idades entre 15 e 29 anos, sendo que 72,4% dos homicídios cometidos foram através de disparos de arma de fogo. Sem contar também, a violência e repressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+, que só entre 2016 e 2017, teve aumento do percentual de denúncias em 127%.
A repressão policial gera impacto direto no cotidiano periférico, atuando como forma de proteção ou de imposição, a PM causa repulsa em muitos moradores da quebrada. Em Saraus, Slams e Rodas de Poesia, esse tema é um dos mais citados, e reproduz na fala do jovem o descontentamento.
Segundo o levantamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública, divulgado em março de 2016, mostra que duas pessoas em média foram assassinadas por dia pela PM de São Paulo, com a grande maioria dos crimes ocorridos nos bairros periféricos.
Do Baile de Favela, a Roda de Samba dos domingos, toda reprodução cultural é bem vinda, porém não tão aceita. “É complicado fazer um puta rolezão estruturado na quebrada, por falta de apoio e suporte da prefeitura. Gosto de tocar aonde meu povo está, passar a mensagem para quem entende o que significa, mas é embaçado ter que fazer gato de luz para ligar as caixas”, afirma Mano Mike, seletor de discos de uma das maiores festas reggae da Zona Sul.
"...existe uma coisa racista e classista de achar que pobre da periferia não merece ter acesso a lazer e cultura”.
“A falta de estímulo, quando você tem jornada dupla ou tripla, ou quando você é um jovem periférico, é devastadora. Você acaba não conseguindo acessar coisas, que dependendo, mudariam a sua vida. Se hoje eu com 24 anos, tivesse tido acesso às coisas que estou tendo agora, eu talvez fosse outra pessoa”, afirma Andreza Delgado, uma das criadoras do PerifaCon, evento de cultura nerd e geek desenvolvido para dar acessibilidade ao jovem da quebrada, a esse universo que ainda é muito elitizado. “A gente começou a pautar de maneira muito forte, a cultura periférica nesse nicho que a gente está que é o geek/nerd. Começamos a descobrir mais coisas, produzir mais coisas, mudou totalmente minha forma de enxergar, não que eu já não visse toda essa potencialidade. Foi por isso que eu desenvolvi um evento, até porque existe uma coisa racista e classista de achar que pobre da periferia não merece ter acesso a lazer e cultura”.
"...dizer que no Brasil, as pessoas escolhem ir para a criminalidade, é um absurdo, porque não se dão outras alternativas”.
Andreza, que também desenvolve festas LGBTQIA+ e escreve para a revista Capitolina, entende que a falta de estímulo e incentivo por falta do estado, dificulta a elaboração de oficinas e projetos culturais mas não as inviabiliza, e que apesar das dificuldades, ainda assim é possível criar algo que hackeie o sistema, gerando chances para uma nova realidade. “Hoje temos os poderes paralelos na favela; a criminalidade e a igreja evangélica. Eu acho que dar a oportunidade para essas pessoas, terem contato com a cultura, faz com que elas possam fazer escolhas. Agora, dizer que no Brasil, as pessoas escolhem ir para a criminalidade, é um absurdo, porque não se dão outras alternativas”.
BATEKOO
Já ouviu falar sobre a Batekoo? A festa desenvolvida em 2014 em Salvador, pelo Dj’s Maurício Sacramento e Wesley Miranda, teve seu início de forma despretensiosa. Por conta da vinda de Maurício para São Paulo, ambos os Dj’s enxergaram ali uma oportunidade para criar uma festa preta, feita por pretos e para pretos.
A partir dessa “brincadeira”, o rolê foi tomando grandes proporções, e hoje em dia, são realizadas edições regulares em São Paulo, Bahia e no Rio de Janeiro, recebendo grandes artistas como atração e também como membros que vão só para curtir o fervo.
Através da arte, da dança e do suor, o coletivo da Batekoo busca desmarginalizar a figura estereotipada do periférico, e dar visibilidade para questões raciais e sociais. O espaço é livre, seguro e leve, faz com que as pessoas se sintam acolhidas e pertencentes, criando uma atmosfera de troca, sempre regada a muito movimento corporal.
Batekoo/ Fotos por Thifany Nicolau
Da ponte para lá
Rolês criados por jovens da quebrada que invadiram o centro da cidade de São Paulo




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